Já faz muitos e muitos anos que eu escrevo. Embora a minha história com a escrita não seja assunto para hoje, basta dizer que, como alguns podem lembrar da primeira publicação, eu já tentava a sorte com as palavras em outro blog lá pelo final de 2010. Não apenas isso, mas também concebi uma ou duas histórias que a minha inexperiência nunca me permitiu concluir (destino comum da maioria das que criei até hoje), mas que foram muitíssimo beneficiadas pela imaginação fértil e irrestrita da qual qualquer criança de dez anos pode desfrutar. Sem pressão e sem preocupações, tanto literárias quanto cotidianas, minhas mãos pueris eram livres como animais silvestres, e o lápis voava e voava pelas páginas sem fim, falando sobre personagens e lugares que pareciam cada vez maiores e mais interessantes. É claro que, hoje em dia, a qualidade do que tenho escrito é incomparavelmente melhor; há cuidado com o vocábulo, com a construção frasal e, se eu quiser me fingir de escritor sério, diria que também há planejamento — ou pelo menos a sua versão mais rudimentar possível, a primeira categoria logo acima do aleatório. Com isso, posso concluir que todos esses anos, todas as tentativas e esforços foram essenciais para que as ideias melhorassem, para que as frases se polissem e, mais importante que todo o resto, para que eu fosse capaz de discernir que partes estavam boas, quais necessitavam de retoque, e quais não serviam de jeito nenhum. Foi uma longa, porém perceptível evolução. E mesmo que ela ainda esteja acontecendo, pois nunca acaba, sinto-me orgulhoso e feliz com o que ponho para fora.
O propósito deste prólogo é introduzir e enfatizar a importância da prática e, mais especificamente, do erro, em qualquer área criativa. É conhecimento que se constrói puramente com experiência; não há teoria suficiente que o prepare por completo para isso. É possível aprender, em pouco tempo, sobre estruturas literárias, seus gêneros, jeitos formais e informais de usar o português, as palavras, os sinais de pontuação, e todos esses são aspectos importantes do escrever. Mas inegavelmente a prática constante e teimosa é o que confere ao escritor — ao artista — o seu tato; a sua intuição criativa, o instinto para o que funciona e o que precisa ser refeito, o refinamento do seu gosto subjetivo do que lhe agrada como mestre de sua própria habilidade. Digo isso porque me vejo agora interessado em adquirir uma nova habilidade, um novo poder. E preciso aceitar a inevitável mediocridade que vem com os primeiros passos.
A música é parte inseparável do meu dia a dia há mais de dez anos. Não lembro a exata data e as exatas circunstâncias mas, se não me falha a memória, foi entre 2012 e 2013 que, vendo uma paródia de Another Brick in the Wall Pt. 2 no canal do FunkyBlackCat, eu decidi procurar o álbum The Wall, de Pink Floyd, e me apaixonei por tudo que havia ali: o som, o conceito, as imagens, tudo. Uma coisa levou a outra, e Pink Floyd logo se tornou a minha banda favorita (e por quatro anos consecutivos, não saiu do número 1 nas retrospectivas do Spotify). De lá para cá, diversos artistas incríveis foram acrescentados ao repertório, como Alan Parsons Project (já mencionado na publicação em que falo de Poe), Slipknot (contribuição muito antiga de um primo querido), Cigarrettes After Sex em 2018 e compositores diversos de trilhas sonoras para filmes e especialmente jogos – aqui cito, para nomear alguns, John Williams, Lena Raine e Akira Yamaoka.
Desde cedo o gosto musical foi se solidificando, apesar de eu escutar de (quase) tudo um pouco. Entretanto, foi apenas em maio de 2020 que algo mudou: meu amigo Matheus me apresentou um artista aparentemente não tão famoso chamado Aphex Twin, cuja discografia pode ser descrita, entre outros adjetivos, como misteriosa e irreverente. Um repertório eclético e aparentemente interminável de inspiração, de tal modo que senti um impulso incontrolável de querer eu mesmo fazer música, algo que minimamente se parecesse com aquilo que eu havia acabado de descobrir. Matheus, esta é a sua primeira menção no blog, então olá! Acredite ou não, a sua indicação moveu bastantes engrenagens na minha mente, e hoje muito do que fiz e faço pode ser traçado até aquele evento. Sou eternamente grato pela recomendação!
Vou deixar os detalhes da minha história com Aphex para outro dia, porque é um bocado longa e eu tenho muito, mas muito para falar sobre ela. Resumo da ópera: agora não só apenas gosto de escrever e quero fazê-lo com afinco, como também minha cabeça me convenceu a seguir o caminho musical; pensar no design de som, criar atmosferas, evocar sentimentos com melodias… tantas outras coisas foram adicionadas na lista de tarefas do meu cérebro que me sinto perdido. E não acho que seja comparável com o início da escrita porque, como disse, eu era muito jovem e o peso dos desejos e objetivos pessoais ainda era muito leve — eles sequer existiam de modo concreto ainda.
Era um dia qualquer em Poço Verde, no interior de Sergipe, provavelmente no segundo semestre de 2022. Eu estava voltando para casa do trabalho, por volta de quatro e meia da tarde. Naquela época, a faculdade estava trancada, então eu tinha bastante tempo livre depois do expediente. Aqueles minutos de caminhada eram terreno muito fértil para minhas divagações amiúde descomedidas, para não dizer fantasiosas. Eu já tinha um par de livros sobre teoria e composição musical, e andava vendo alguns vídeos sobre o assunto – e, como todo entusiasta recente da música, havia baixado o FL Studio para testar algumas mínimas coisas. É bem verdade que tive relações e experimentações com a música muito antes, lá pelos 14 anos, mas por ora irei focar no passado recente. Eu estava aprendendo muitas coisas, mas não estava pondo em prática. Então pensei em criar um canal no YouTube para que eu pudesse ir colocando minhas tentativas (não necessariamente bem sucedidas) de produção musical, mas sem o objetivo de fazê-lo crescer e ganhar seguidores, apenas um lugar onde eu pudesse arquivar meus projetos e acompanhar minha evolução – meus arquivos pessoais. “Arquivos”… isso tem uma sonoridade legal, especialmente em inglês, na palavra Archives. Archives, né? Hm… talvez se eu pudesse estilizar um pouco isso, daria um pseudônimo interessante. Arc Hives… Arch Ives… ARK YVES! É isso! Parece o nome e sobrenome de uma pessoa, mas ao mesmo tempo é meio enigmático, gostei! Está decidido, então. Para quem se perguntava o porquê do nome, agora está explicado.
Infelizmente, devido ao ir e vir da vida e dos desejos humanos, esse nome permaneceu numa gaveta mental desde então. Inclusive, o nome ARK YVES era simplesmente um pseudônimo alternativo, pois o principal era outro (que ainda não pretendo mencionar…), e o canal seria apenas, realmente, um arquivo pessoal, com faixas inacabadas, ainda em progresso, possivelmente com várias versões publicadas. Para a surpresa de poucos que ainda não me conhecem, o canal nunca existiu. Mas a ideia de produção musical foi gestada por pelo menos três anos, e continua crescendo em sua crisálida. Quem sabe o que o futuro guarda para nós?
Dois acontecimentos posteriores também devem constar nessa linha do tempo recente: em agosto de 2023, eu viajei a Londres com meu amigo Murilo para assistir a uma apresentação ao vivo de Aphex Twin. Essa viagem, que contemplou também a França e algumas poucas horinhas em Portugal, foi responsável por mudar minha mentalidade em alguns aspectos da minha vida. Um deles, porém, foi novamente fortificado: eu precisava muito fazer alguma coisa parecida com aquilo que vi no dia dezenove, no Victoria Park. O som único, os visuais que pareciam ser de outra dimensão. Quantas coisas senti naqueles noventa minutos, e como gostaria de poder me colocar ali novamente! Os dias se passaram, eu voltei para a monotonia da vida bancária interiorana, mas daquela vez a inspiração havia se solidificado de uma vez por todas. Estava gravada na minha mente a ideia de que eu deveria, mais cedo ou mais tarde, entrar finalmente no mundo da música.
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Instruções na saída do metrô |
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FIELD DAY 2023 by ALL POINTS EAST |
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Pouco antes do set de Arca, que depois daria lugar a Aphex |
Foi somente no final de 2024, porém, que as ideias enfim começaram a se materializar. Já morando em Aracaju, em agosto (coincidentemente) eu conheci a Fabric, uma casa de shows focada em música eletrônica. Se bem me lembro, o primeiro evento que fui se chamava “AFK”. Por volta de outubro, a mesma Fabric divulgou que estava promovendo, pela primeira vez, um curso de discotecagem. Dado que eu estava de férias tanto do trabalho quanto da UFS, parecia que as circunstâncias haviam se alinhado – a melodia estava para ser resolvida. Não pensei duas vezes em me inscrever.
Foram duas semanas muito proveitosas, nas quais aprendi muito sobre os equipamentos, sobre seleção musical, e sobre mixagem. Lembro que, ao final do final do curso, as aulas eram mais focadas em criar a sua marca, a sua identidade. Para mim, essa foi a parte mais fácil, exatamente porque ela já havia sido pensada anos atrás. Foi aí que o pseudônimo ARK YVES retornou, dessa vez sendo elevado ao título de artista/DJ, em vez de um simples canal. Então, juntei o nome com a minha ideia para o “projeto”, como dizem: a minha inspiração maior sendo Aphex Twin e sua sonoridade experimental, assim como outros artistas publicados pela gravadora Warp Records. Ainda enquanto o curso rolava, comecei a fazer os primeiros esboços de uma logomarca, e assim nascia o símbolo de ARK YVES após uma tarde de experimentos:
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Por pouco, a logo não foi essa aqui... |
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Mais esboços |
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Versão final – 02/11/2024 |
Pois bem, em novembro o curso chegou ao fim e, dois meses depois, anunciei ao público o nascimento do pseudônimo, tendo uma página própria no Instagram. A princípio, estou focando na discotecagem: primeiro porque foi o que aprendi, e segundo porque acho bem mais fácil do que a produção musical em si. Além disso, o trabalho de um DJ envolve uma quantidade enorme de pesquisa e exploração musical, coisa que sempre fiz. E posso dizer que isso tem dado frutos saborosos: posso pensar em pelo menos uns dez artistas que conheci e de fato apreciei desde que comecei o curso. Artistas que hoje estão na minha biblioteca não apenas porque suas músicas ficariam boas em um set, mas sim porque são faixas, EPs, ou até mesmo álbuns consistentes, que trazem elementos inovadores, apresentam uma atmosfera profunda, ou simplesmente têm importância histórico-cultural. Digo ainda que a experiência de montar um set pode ser exaustiva, mas é também intrigante. Acho que acabei levando muito a sério o conselho de fazer de um set uma narrativa, mas é extremamente divertido preparar momentos de tensão e calmaria, de suspense e agressividade, de modo análogo a como faço na escrita. É quase como se eu estivesse compondo. Quase. Essa hora ainda vai chegar.
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07/11/2024 – Cabos, tracks e efeitos |
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29/11/2024 – Dia de avaliação! |
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25/10/2024 – A Fabric fica em frente a um McDonald's, então um lanchinho depois das aulas era quase obrigatório! |
A ideia por trás de ARK YVES é dupla: por um lado, valorizo o experimentalismo, a noção de querer sempre fazer um som diferente, que não é comumente ouvido, mas que pode ser prazeroso se você se permitir ouvi-lo com uma mente aberta. Isso é um reflexo de quem eu sou e de como encaro a vida, afinal de contas. Alguns podem dizer que até o nome passa um pouco essa ideia. A segunda ideia, que também deriva dessa primeira, é apresentar a cena eletrônica underground dos anos 90 e 2000, porque existe muita coisa interessante nesse período que percebo ser deixada para trás em busca das “músicas mais recentes” (por sinal, aí está um segundo significado para o nome: são acervos – arquivos – de músicas antigas!). Não sei, às vezes tenho a sensação de que, para algumas pessoas, o novo é bom e o velho é ultrapassado, seja isso música ou outra coisa. Eu gostaria de usar o meu espaço (ainda a ser conquistado) para mostrar que um EP esquecido de 1992 pode ser tão bom quanto ou até melhor que a sua playlist atualizada com As Melhores™ de 2025, que daqui a alguns meses já não será tão atualizada assim. Mas no final, tudo se resume a um simples desejo: o de mostrar aos outros aquilo que gosto de ouvir e como a música me faz sentir, e tentar ao máximo com que as pessoas sintam o mesmo que eu. Se eu puder, nos meus sets, emocionar pelo menos uma pessoa, acredito que terá valido a pena.
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Os idealizadores do curso: Juarez Jr. (JJsoJJ, à esquerda) e Felipe Holanda (Evan Holfe, à direita) |
Como disse no início e agora há pouco, ainda estou nos primeiros passos da “carreira”, se é que posso assim chamá-la. Só me apresentei duas vezes até agora: uma na minha formatura do curso, e outra em um warm-up no evento “Soulfloor”, na própria Fabric, no final de maio. A vida de DJ tem essa questão de condensar dias, semanas, e até meses de pesquisa em geralmente uma ou duas horas numa noite. Noites essas que podem acontecer com pouca frequência, a propósito, por isso cada evento deve ser pensado com muito esmero. Mas é bom que sobra mais tempo para ouvir mais e expandir o leque. Tem sido divertido construir a imagem de ARK YVES e ter infinitas ideias sobre sets, visuais, eventos, etc. Algumas mais factíveis que outras, é verdade, mas não se pode ir longe sem sonhar alto. Acredite nas suas fantasias. Talvez alguma versão sua as torne realidade no futuro.
Quero aproveitar a oportunidade para agradecer a todas as pessoas que estiveram presentes e/ou me ajudaram, de uma forma ou de outra, para o nascimento e o desenvolvimento desse projeto. Acho curioso como uma pessoa introspectiva como eu se propôs a um hobby que implica muitas vezes estar numa posição de protagonismo, de centro das atenções. Nesse sentido, meus amigos (inclusive os que fiz dentro da cena) e família têm sido muito importantes. Cada opinião, boa ou ruim, cada sugestão e palavra de encorajamento têm sido cruciais para eu melhorar como artista, e por isso sou muito grato a vocês. É um privilégio estar construindo essas memórias.
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do it for them. |
Acho que por hoje é isso. Quanto à produção musical, ainda tenho um caminho consideravelmente longo pela frente: não basta apenas a teoria musical, é preciso também mexer com um software de produção, além da noção de mixagem, instrumentação, e por aí vai. Tudo isso será aprendido em algum momento… um passo de cada vez. Pode ser que de repente apareça por aí um single quando eu menos esperar. É suficiente dizer que já estou fazendo o planejamento necessário para que isso aconteça. Começar uma nova paixão criativa não é nem um pouco fácil, ainda mais quando já se é proficiente em outra. Exigimos demais de nós mesmos, queremos para ontem o que arduamente conquistamos durante anos de tentativa e erro. Precisamos comprimir uma década de prática em um tutorial de quarenta e cinco minutos. Infelizmente, não há atalho. É preciso começar a jornada do início. Mas o prazer está justamente em trilhar o caminho, em errar e aprender, em empreender esforços para aprimorar suas habilidades constantemente. O futuro pode ser deliciosamente inesperado. Enquanto apontamos o lápis e aumentamos a coleção de vinis, vamos aguardar que ele nos revele, quando lhe parecer apropriado, as suas surpresas.
Obrigado por ler até aqui! Caso queira acompanhar o projeto ARK YVES, aqui estão alguns links:
Instagram: https://www.instagram.com/ark__yves/
Soundcloud: https://soundcloud.com/ark-yves
Bandcamp: https://arkyves.bandcamp.com/
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